LAM volta ao tribunal: Processo de USD 13 milhões expõe rede de corrupção e má gestão na companhia aérea de bandeira


 

Maputo – As Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) enfrentam mais um capítulo da sua prolongada crise institucional e financeira. Segundo a publicação especializada Ch-Aviation, a companhia aérea estatal está a ser processada por não pagar o aluguer de uma aeronave Dash 8, acumulando uma dívida de cerca de 13 milhões de dólares.

Este novo processo judicial soma-se a uma longa lista de escândalos que têm colocado a LAM no centro de denúncias de corrupção, má gestão e práticas lesivas ao Estado, corroendo a confiança pública e a imagem internacional da transportadora.


Um histórico de escândalos

De acordo com Integrity Magazine, a companhia já esteve envolvida em casos de corrupção de grande escala. Em 2018, investigações conduzidas por procuradores do Brasil e dos Estados Unidos revelaram que a fabricante brasileira Embraer pagou 800 mil dólares em subornos a autoridades moçambicanas para garantir a venda de aeronaves à LAM.

O escândalo resultou, em 2021, na condenação a 10 anos de prisão do ex-ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, e do ex-presidente do Conselho de Administração da LAM, José Viegas, além de uma indemnização conjunta de 73 milhões de meticais ao Estado. Até hoje, os recursos interpostos permanecem sem julgamento.

Outro caso recente envolveu o uso irregular de máquinas de pagamento electrónico (POS) pertencentes a terceiros para vender bilhetes da companhia, desviando receitas estimadas em quase três milhões de euros.


Conflitos de interesse e contratos obscuros

O então diretor de reestruturação da LAM, Sérgio Matos, denunciou em fevereiro de 2024 que a empresa não estava a receber integralmente o valor das vendas de bilhetes. Uma auditoria interna confirmou suspeitas também sobre o manuseio de dinheiro vivo nas lojas da companhia.

Em abril de 2025, o Presidente da República, Daniel Chapo, apontou diretamente para a existência de conflitos de interesse dentro da LAM, sobretudo no aluguer de aeronaves. Segundo Chapo, alguns gestores preferem arrendar aviões em vez de adquiri-los, porque auferem comissões secretas nesses contratos.

Entre as irregularidades identificadas pelo Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) estão:

  • o aluguer de um Boeing 737 de carga que nunca chegou a ser utilizado,

  • a contratação de aeronaves na África do Sul por preços inflacionados,

  • e o uso de fundos da LAM para compras antecipadas de aviões que nunca foram entregues.

Até mesmo o abastecimento de combustível levantou suspeitas: documentos mostravam que uma aeronave com capacidade máxima de 80.000 litros teria recebido 95.000 litros, deixando em aberto o destino das 15 toneladas “extra”.


Investigações e tentativas de reestruturação

O Procurador-Geral da República, Américo Letela, confirmou a existência de vários processos em curso contra gestores da LAM, quatro deles instaurados entre 2023 e 2024.

O GCCC realizou, em agosto de 2024, buscas e apreensões de documentos e material informático, no âmbito da investigação à gestão da frota e à venda de bilhetes. Os detalhes permanecem sob segredo de justiça.

Em paralelo, o governo tentou salvar a companhia com a intervenção da sul-africana Fly Modern Ark (FMA), contratada em 2023 para a reestruturação. Contudo, durante a sua gestão também surgiram denúncias de novos esquemas de desvio de fundos.

Num movimento controverso, o Estado moçambicano decidiu vender 91% das ações da LAM a três empresas públicas — Hidroeléctrica de Cahora Bassa, Caminhos de Ferro de Moçambique e Empresa Moçambicana de Seguros — por 130 milhões de dólares, supostamente para financiar a aquisição de oito aeronaves. Especialistas, entretanto, classificaram a operação como precipitada e arriscada.


De orgulho nacional a símbolo de crise

A LAM, que já foi considerada uma das melhores companhias aéreas de África durante o período colonial, tornou-se hoje um exemplo das fragilidades da governação empresarial do Estado.

O colapso financeiro da transportadora não afeta apenas o setor da aviação: os Aeroportos de Moçambique (ADM) sofrem diretamente as consequências, devido às dívidas acumuladas pela companhia aérea.

Mais do que uma crise técnica ou financeira, o caso LAM expõe uma teia de corrupção sistémica, conflitos de interesse e gestão danosa, cuja resolução dependerá não apenas de auditorias e reformas administrativas, mas sobretudo de uma vontade política clara para instaurar transparência e responsabilização.

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